terça-feira, novembro 27, 2007

"Luz e Escuridão"

"Agora tinha pesadelos todas as noites. Não eram exactamente pesadelos, não no plural, pois o cenário era sempre o mesmo. Seria de esperar que, passados tantos meses, estivesse aborrecida e me libertasse daquele cenário...mas o facto é que esse cenário não deixava de me apavorar e só terminava mal acordava aos gritos.

O meu pesadelo nem sequer assustaria mais ninguém. Não havia nada que aparecesse de repente. Não havia mortos-vivos, fantasmas, nem psicopatas. Na verdade, não havia nada. Simplesmente nada.

Apenas um labirinto interminável de árvores cobertas de musgo, tão tranquilo que o silêncio exercia uma pressão incómoda sobre os meus tímpanos. Estava escuro, como o entardecer de um dia nublado, com claridade suficiente apenas para ver que nada havia. Eu atravessava a penumbra a toda a velocidade, sem caminho por onde seguir, sempre à procura...à procura...à procura...sentido-me mais agitada à medida que o tempo passava e tentando deslocar-me mais rapidamente, ainda que a velocidade me tornasse desajeitada...

Depois, a dada altura no meu sonho, sentia-a a chegar, apesar de nunca conseguir acordar antes de ela aparecer...não conseguia recordar-me do que procurava. Apercebia-me de que nada havia para procurar nem para encontrar, de que nunca existira nada, a não ser aquele bosque vazio e desolador e de que nunca mais existiria nada para mim...nada senão o nada...

Era mais ou menos nessa altura que os gritos começavam.

Não prestava qualquer atenção ao sentido em que seguia, percorrendo apenas estradas secundárias, desertas e molhadas, evitando todos os caminhos que me levassem a casa...sem ter para onde ir. Queria voltar a sentir-me adormecida.

Não queria lembrar-me da floresta. Mesmo ao afastar as imagens com um estremecimento, sentia os meus olhos encherem-se de lágrimas e a dor começava nos limites do buraco que se apoderara do meu peito.

"Será como se eu nunca tivesse existido". Estas palavras não me saiam da cabeça. Não passavam de meras palavras, sem som, uma simples impressão numa página. Meras palavras, mas que faziam o buraco abrir-se.

Perguntei-me quanto tempo aquilo poderia durar. Talvez um dia, passados alguns anos, se a dor diminuísse ao ponto de conseguir suportá-la, conseguisse olhar para trás e considerasse que aqueles breves e raros meses seriam, para sempre, os melhores da minha vida. E, se a dor alguma vez abrandasse o suficiente para que pudesse fazê-lo, tinha a certeza de que me sentiria grata pelo tempo que ele me tinha concedido. Mais do que pedira, mais do que merecia. Talvez um dia encarasse tudo daquela forma.

Mas e se aquele buraco não melhorasse? E se os limites em carne viva nunca cicatrizassem? E se a lesão fosse eterna e irreversível?

Tentei firmemente não desmoronar. "Como se ele nunca tivesse existido", pensei com desespero. Que promessa estúpida e impossível de se fazer!

Ele podia roubar-me as fotografias e reaver os presentes que me tinha oferecido; no entanto, isso não fazia com que tudo voltasse a ser como era antes de o conhecer. As provas materiais eram a parte mais insignificante daquela equação. Eu tinha mudado...aliás, o meu interior alterou-se ao ponto de se tornar irreconhecível.

Até o meu lado exterior ficara diferente, a minha cara estava pálida, branca, à excepção das olheiras roxas que os pesadelos me provocavam. Os meus olhos escuros contrastavam tanto com a pele lívida que se eu fosse bonita e vista á distância podia passar por vampira.

Como se ele nunca tivesse existido? Era uma pura loucura. Tratava-se de uma promessa que ele jamais poderia cumprir, uma promessa que fora quebrada no momento em que ele ma fez.

Bati com a cabeça no volante, tentando abstrair-me de uma dor mais insuportável."