quarta-feira, agosto 24, 2011

Governo Económico

1Ninguém vive sempre sozinho. Em algum momento da nossa vida, por um motivo ou por outro, vamos precisar da ajuda de alguém. De qualquer forma, um dos conselhos mais avisados que podemos receber é o de nunca ficar financeiramente dependente de alguém, porque a dependência financeira é das mais graves faltas de liberdade nos dias de hoje.

2Por causa da crise das dívidas soberanas, uma série de países da zona euro, ou mais pobres ou mais endividados, dependem financeiramente da ajuda e boa vontade de alguns países mais ricos e com economias mais fortes. Como é normal, as dificuldades do euro acabam, mais do que nunca, por trazer para a ordem do dia a dependência entre os vários países que partilham a utilização da moeda.

3E se países como a Alemanha e a França possuem economias fortes e não se encontram endividados para lá do razoável, existem no lado oposto países como Portugal, Grécia, Espanha ou Itália, nos quais há problemas muito sérios para resolver. Toda esta crise veio provar que não é possível que a zona euro continue a ser gerida como até agora, onde cada um puxa para o seu lado. Um governo económico europeu é o caminho a seguir, mesmo que de forma lenta, ao sabor do momento político de cada um dos líderes europeus.

4 Ou melhor dizendo, ao sabor do momento politico que se viva na Alemanha ou na França, dois países que pelo facto de não dependerem económica ou financeiramente de ninguém, lideram o espaço europeu. A recente cimeira entre Merkel e Sarkozi, da qual saiu a proposta para a criação de um governo económico europeu poderá não acalmar os mercados, mas deu frutos ao nível das propostas apresentadas, no sentido em que caso as ideias avancem de facto, serão dados passos importantes no sentido de uma maior integração europeia e por consequência o euro sairá fortalecido.

5Propostas como a inclusão na constituição de um limite do défice, ou alguma abertura demonstrada para uma análise futura da possibilidade da emissão de euro-obrigações, são progressos positivos no sentido de fortalecer a nossa moeda e a solidariedade no espaço europeu. Claro que propostas deste género significam menos soberania nacional e um maior controlo das instituições europeias sobre as decisões de cada um dos países.

6De qualquer forma, o que podemos esperar do futuro a não ser menos soberania? Temos uma moeda única e a actual crise demonstra que o modelo seguido para o euro não é o correcto se não se evoluir no sentido de uma total coordenação da política financeira. Um maior controlo do défice e uma maior integração europeia são passos fundamentais para que países como a Alemanha e a França aceitem continuar a ser fiadores de economias mais frágeis e endividadas. A solidariedade tem um preço.

7Esse preço poderá significar mais austeridade. Porque no essencial o que Merkel e Sarkozi pretendem é que todos sigam padrões de exigência no que respeita aos seus níveis de endividamento, para que as economias mais frágeis e endividadas não coloquem em causa as economias mais fortes, e já agora, mais independentes. O caminho que nos oferecem é o único caminho possível, porque com tanta turbulência e com tanta incerteza dificilmente poderíamos estar mais dependentes do que já estamos.

8 – Para lá do que significa um governo económico europeu, dá que pensar que apenas dois líderes em 27 decidam por si só o futuro de todos. Dá que pensar que a Comissão Europeia já tenha vindo aplaudir as propostas saídas da reunião entre Merkel e Sarkozi. Não porque as propostas sejam más, mas porque tudo isto tem vindo a demonstrar uma falta de liderança assustadora a nível europeu.

 

"IM_Pressões de Direita" in Jornal de Amarante de 18 Agosto 2011

sábado, agosto 06, 2011

Evoluir Pela Força

1Percebe-se agora, temos vivido em Portugal de forma absolutamente surrealista. Melhor exemplo do que Alberto João Jardim, a defender a sua posição na campanha política em curso na Madeira, não podia existir. Diz Alberto João Jardim que se não fosse o caminho seguido na Madeira ao longo dos últimos anos, leia-se um caminho de investimento baseado num forte aumento do endividamento da região, a Madeira não seria o que é hoje.

2Um argumento desta natureza, mesmo que usado em período de campanha eleitoral, é absolutamente desconcertante. Pior ainda, quando sabendo tudo o que sabemos hoje, poucas dúvidas restam de que o caminho seguido em todo o país foi precisamente esse, um caminho de endividamento excessivo que serviu a projecção de um conjunto de políticas e de políticos.

3 Neste contexto, o acordo com a troika era nada menos que inevitável e por muito que nos custe admitir, absolutamente necessário, em face da incapacidade demonstrada pelo Estado para levar a cabo as reformas necessárias para que Portugal passe a viver de acordo com as suas possibilidades.

4 O acordo com a troika é um verdadeiro programa de governo, com implicações em diversas áreas, embora com carácter economicista subjacente em todas as suas medidas. A sua aplicação vai doer e é bom que estejamos preparados para isso. Vai doer aos portugueses, no seu conjunto, pela forma como nos vai entrar no bolso todos os dias, vai doer a muitos que vão perder o seu emprego, vai doer a muitos que terão que readaptar as suas prioridades e conceitos de vida, nem que seja pela força.

5No campo político, a aplicação do acordo poderá significar uma verdadeira revolução na sociedade portuguesa que alguns partidos terão dificuldade em acompanhar, concretamente o Partido Socialista, se António José Seguro e os demais militantes não adoptarem rapidamente um discurso mais apropriado para a actual situação política e económica.

6Como pode o PS criticar o aumento dos preços nos transportes públicos, quando esse aumento faz parte do acordo assinado pela troika e por um governo socialista? Pretende o PS que se fizesse apenas um aumento minimalista que em nada contribuísse para resolver o défice crónico das empresas de transportes? Pretende o PS que os portugueses que não beneficiam dos transportes públicos em causa continuem a financiar os seus prejuízos brutais, ano após ano?

7 Como pode o PS criticar o negócio feito na venda do BPN, quando foi um governo socialista que abordou de forma absolutamente errada a problemática do banco? Como pode alguém vir criticar o actual Governo pelo facto de a venda implicar a recapitalização do banco em cerca de 500 milhões de euros, quando antes o Estado já injectou cerca de 2.000 milhões de euros no BPN, sem que isso tenha servido para resolver o problema?

8 – Como pode o PS manter a critica de que o actual Governo não corta na despesa como deveria cortar, quando a tomada de posse foi há pouco mais de um mês e quem de facto se revelou incapaz de cortar na despesa foi um Governo socialista ao longo de seis longos anos? O Partido Socialista não pode cair na tentação de defender tudo e o seu contrário, qual Bloco de Esquerda, porque enquanto maior partido da oposição faz parte da solução e não do problema.

9 Num momento em que por força do programa acordado com a troika e também por força da natureza dos partidos que formam a coligação de Governo, Portugal se apresta para ver concretizadas algumas políticas que podem mudar o país tal como o conhecemos hoje, exige-se a todos que não falhem. Devemos exigir aos actores políticos que não desperdicem esta oportunidade de mudança, mantendo velhos hábitos de combate político aos quais os portugueses também devem aprender, definitivamente, a dizer não. Sob pena de continuarmos a evoluir apenas pela força.

 

"IM_Pressões de Direita" in Jornal de Amarante de 4 Agosto 2011

sexta-feira, agosto 05, 2011

Alavancagem Social

1 – Para mal dos nossos pecados, vivemos desde meados de 2008 debaixo da ameaça constante da crise económica e financeira mundial. Passados praticamente três anos, já não discutimos o súbito aumento do custo das matérias-primas, mas passamos a discutir a dificuldade no acesso ao crédito, como quem finalmente convive com a dura realidade de descobrir que o dinheiro é escasso e a capacidade de endividamento limitada.

2 – Neste momento convivemos cada vez mais de perto com a degradação da situação social de muitas pessoas, a um nível nunca visto desde 2008 e na sequência de todos os acontecimentos ocorridos desde então, os quais, qual efeito dominó, acabaram por resultar numa crise da divida soberana de muitos paises, que arrastou consigo dificuldades no acesso ao crédito, as quais conjugadas com a necessidade de ajustamentos orçamentais fazem prever um cenário de recessão para todo o ano de 2011.

3 – O labirinto em que nos encontramos parece uma pescadinha de rabo na boca. Tome-se como exemplo a informação recente de que o défice das contas públicas em Janeiro foi de “apenas” 282 milhões de euros. Quer dizer, a manter-se a média, chegaremos ao final de 2011 com um prejuizo superior a 3.300 milhões de euros, número que mal sabemos avaliar quanto ao seu significado. Para além de nos financiarmos para conseguir liquidar empréstimos que se vão vencendo sucessivamente ao longo do ano, ainda temos que arranjar pelo menos mais 3.300 milhões de euros emprestados para cobrir o défice com que 2011 vai seguramente terminar.

4 – As razões das dificuldades em que a economia europeia se encontra há muito que estão encontradas. No entanto, pese embora as soluções sejam mais ou menos consensuais, o remédio não pode ser aplicado de forma demasiado rápida, sob pena de colocar em causa todo o sistema social em que vivemos. Vejamos Portugal, onde mesmo com todas as medidas de austeridade anunciadas, percebemos agora que não chegam para quase nada no que respeita à urgente necessidade de impedir que o Estado gaste mais do que aquilo que tem para gastar.

5 – Como consequência, uma vez que o remédio da austeridade não pode ser aplicado demasiado rápido, vamos passar vários anos em tratamento. Mais que o desafio económico e financeiro que tal significa, é o desafio social que mais temos a temer. De um lado, o nosso modelo de sociedade ocidental, que irá padecer de mais desemprego, mais exclusão e mais pobreza, quer sob a forma de pobreza como todos a conhecemos quer sob a forma do crescente empobrecimento da classe média. Do outro, um poderoso mundo árabe e muçulmano, cujas revoltas da Tunisia e Egipto ameaçam alastrar rapidamente para outros paises e encerram em si mesmo um potencial tremendo de transformações sociais, não só nos paises em causa mas também à escala mundial.

6 – Salvaguardando o ideal da democracia que todos defendemos, será que podemos reflectir seriamente sobre as consequências que poderão surgir de uma verdadeira transformação democrática nos paises árabes e muçulmanos? No meio da actual crise económica e financeira ocidental, com todos os sacrificios a que ela nos obriga, estaremos preparados para o impacto de uma transformação económica, social e cultural no mundo árabe, que embora lenta poderá ser verdadeiramente revolucionária?

7 – O equilibrio de forças mundial estará em causa a médio prazo? Os desafios que o mundo ocidental enfrenta neste momento são enormes, não apenas na economia mas sobretudo no aspecto social. O potencial de alavancagem social de vários paises árabes é enorme e poderá colocar em causa vários modelos de desenvolvimento seguidos como intocáveis ao longo de muitos anos.

8 – Tal não significa que teremos forçosamente que mudar todos os nossos paradigmas, mas acarreta consigo uma necessidade de debate politico esclarecedor quanto às opções a tomar daqui para a frente. Infelizmente, parecemos atravessar um periodo de lideranças fracas, desprotegidas do minimo da dose ideológica necessária para nos motivar a todos um verdadeiro debate sobre questões tão essenciais, como o peso do estado na economia ou o modelo de desenvolvimento social a seguir, questões a resolver para mantermos do nosso lado a capacidade de alavancagem social que desde sempre caracterizou o mundo ocidental.

"IM_Pressões de Direita" in Jornal de Amarante de 24 Fevereiro 2011

Mudar De Vida

1 – Citando um spot publicitário bem conhecido, “ainda sou do tempo” em que não se viam auto-estradas em Portugal. Também “ainda sou do tempo” em que se dizia que estudar na universidade era um luxo, não sendo raros os exemplos de jovens da geração de 70 que foram os primeiros da sua freguesia a frequentar a universidade.

2 – Podiam ser recordados muitos outros exemplos, mas tal não é necessário para constatar que mudou muita coisa ao longo dos últimos 25 anos. E Portugal mudou para melhor, sem dúvida. O modelo de desenvolvimento escolhido na segunda metade da década de 80 e primeira metade da década de 90, permitiu aos portugueses, na sua generalidade, um salto enorme em termos de qualidade de vida.

3 – É certo que tal modelo de desenvolvimento, muito focado nas infra-estruturas, percebe-se agora não ter cuidado devidamente da competitividade da nossa economia a longo prazo. Mas não foram apenas os erros cometidos ao longo do “cavaquismo” os responsáveis por isso. Também a chegada ao poder de António Guterres, verdadeiro “fundador” do que é hoje o monstro do défice do Estado, contribuiu de forma decisiva para a situação em que nos encontramos.

4 – Mau grado as criticas que faziam ao “cavaquismo”, António Guterres e o Partido Socialista mantiveram a aposta nas infra-estruturas, da qual as SCUT não podiam ser melhor exemplo, ao mesmo tempo que apostaram, e bem entenda-se, num forte reforço das politicas sociais no âmbito das preocupações governativas. O problema é que, quer com Cavaco Silva quer com António Guterres, nenhuma das estratégias foi seguida de forma equilibrada.

5 – Como resultado, Portugal tem hoje uma excelente rede de auto-estradas. Como resultado, Portugal tem hoje um bom sistema de apoio social e um sistema de saúde ao nível dos melhores. No entanto, tem uma economia anémica, sem capacidade de crescimento. Não obstante as oportunidades criadas com a massificação do ensino superior, Portugal não tem mão-de-obra suficientemente qualificada e versátil para fazer face à economia global. E pior do que isso, o défice do Estado e a divida pública portuguesa são insustentáveis, porque aquilo que produzimos não é suficiente para sustentar o que temos de bom.

6 – Como resultado, vamos ter que mudar de vida. Enquanto famílias, não aguentamos muito tempo se insistirmos em tomar decisões erradas e nos endividarmos cada vez mais. E é precisamente isso que se tem passado com Portugal, onde o governo de José Sócrates foi incapaz de controlar o défice, sendo até responsável pelo seu agravamento. Enquanto o Estado gastar mais do que aquilo que recebe, haverá sempre défice e haverá sempre endividamento.

7 – Nesta altura, todos falam na necessidade de reduzir o défice e a divida pública portuguesa, mas ainda não se ouve ninguém falar na necessidade de Portugal começar a pagar aquilo que deve. Para termos capacidade de amortizar a enorme divida junto dos mercados só há dois caminhos: ou cortamos a torto e a direito nas despesas do Estado para equilibrar o nosso orçamento, ou conseguimos colocar a nossa economia a crescer a um nível muito superior ao que tem acontecido até ao momento, de forma a aumentar as receitas.

8 – Como pelo lado do crescimento económico as perspectivas não são animadoras, o único caminho possível é o que segue o orçamento de Estado de 2011, cortando radicalmente nas despesas. De forma mais rápida ou de forma mais lenta, vamos ter mesmo que mudar de vida. E não temos muito que contestar, porque se hoje tivermos que sofrer para reduzir o défice e a dívida pública, também não deixa de ser verdade que é graças a esse défice e a essa divida pública que, enquanto comunidade, temos o nível de vida que temos.

"IM_Pressões de Direita" in Jornal de Amarante de 02 Dezembro 2010

quinta-feira, junho 30, 2011

Gritos

Gritos!

Gritos no silêncio que se criou em redor, como uma força que agarra o espirito e impede a revolta.

Gritos pela liberdade de um caminho conhecido, invisível para todos, incompreensível para os outros, mas que se tornou no único possível.

O barulho confunde por dias a constante absoluta de silêncio.

Soltam-se desejos no meio de uma pequena praça, num banco de jardim próximo de guitarras que tocam para gente indiferente, perdida num frenesim de passos sem rumo a caminho do mar. Os dias passam e o barulho persiste, num encanto ilusório da realidade, aquela que emerge diante dos olhos mas não fala ao coração.

Quando parece não haver estrelas no céu é bom olhar e encontrar uma única, num brilho diferente de todas as outras, cujo destino é traçado por palavras distantes.

Gritos, pela realidade de aspirar a viver num outro tempo, mais tardio, mais livre, sem laços que apertam a alma.

Finalmente, a estrela fica ao alcance de um beijo, de um carinho. Subitamente, mais barulho, uma confusão incrível de sentidos, longe da prisão que reina no silêncio. Sitio aconchegado por pequenos desejos, uma ilha deserta  e encantada, no meio do nada.

Nasce o dia, a estrela esmorece lentamente num horizonte cada vez mais claro, onde a luz surge cheia de força, com tanta força, que o silêncio parece de novo o único caminho possível, como se o novo dia fosse um doloroso acordar assim que acaba o barulho.

Regressa a calma.

Cortam-se amarras que seguravam os desejos pedidos, de novo tão distantes.

Silêncio.

Agora, junto com um vazio que fica.