quinta-feira, abril 04, 2013

Fugir Da Esperança

Quando fugia, olhava para trás e tinha medo do que tinha pela frente.

Mas fugia desesperadamente de algo que não podia controlar, comandar ou apagar. Desesperadamente, sem direcção, sem rumo, sem previsão do que encontrar.

Qualquer lugar seria melhor do que ficar preso dos seus medos, preso ao comandante do seu sangue. Qualquer lugar parecia ter mais sol do que aquele em que se encontrava há vários meses.

Antes, havia calor, tanto como nunca tinha sentido. A vida fervia em sonhos, em momentos de puro prazer, em loucuras da imaginação nunca concretizadas.

De súbito, como uma chuva tardia, tudo se abateu sobre o seu lugar de eleição, tal como uma onde gigante que arrasta tudo que envolve. O espaço ficou frio, vazio, sem sentido. O espaço ficou cada vez mais frio, cada vez mais vazio, cada vez com menos sentido.

Como em todos os lugares, mesmo os mais escuros, havia espaço para a esperança. Mas nunca lhe seria possível ver esperança quando a verdadeira luz teimava em não apagar no seu coração.

A própria força da esperança queimava nos braços, pesava na consciência e tornava tudo ainda mais difícil, mais pesado, totalmente insuportável.

Fugir! É impossível voltar a nascer sem morrer primeiro.

Fugir! Fugir sem saber para onde.

Fugir! Desperdiçar a esperança por causa do coração e não por causa da razão.

Fugir! Nunca é tarde ou cedo para fugir, correr sozinho tentando não olhar para trás!

Fugir! Fugir para não magoar ninguém ficando parado.

Fugir! Fugir do beijo que comanda o seu sangue!

segunda-feira, janeiro 16, 2012

"TOCA A BANDA LÁ NO CORETO"

O momento político em Amarante tem sido dominado pela "troca" de opiniões entre vários elementos com ligações ao PSD, através da utilização do Jornal de Amarante para publicação de sucessivos artigos.


Num desses artigos, publicado durante o mês de Dezembro último, o Engenheiro Henrique Baptista questionou o silêncio do Coronel João Sardoeira, antigo vereador e candidato à liderança do PSD Amarante nas últimas eleições disputadas para a concelhia local.

Assim, o espaço deste blog é hoje aberto ao Coronel João Sardoeira, amigo que muito prezo e com quem tive o prazer de partilhar a luta política nas últimas eleições para a Comissão Política Concelhia do PSD de Amarante. O texto abaixo, publicado no Jornal de Amarante de 05 de Janeiro de 2012, é um exercicio delicioso, carregado de alguma da mais fina ironia que pude encontrar nas últimas leituras, tendo por isso o maior prazer no facto do seu autor me permitir a sua inclusão nest blog.




"TOCA A BANDA LÁ NO CORETO
(Festival Canção 1979 – l. C.A.Valente / m. C.Alberto Moniz)

Meu Caro Henrique Baptista

Não sei se este tempo de Natal é o certo para responder à interrogação/provocação que faz num dos seus últimos artigos no JA a este seu Amigo.
A bonança do tempo e o frio que enrijece os ossos ajudam a esta destemperada resposta em jeito de Boas-Festas.
Apesar de todos os cuidados que o tempo nos aconselha, não me tivesse eu vacinado aqui há tempos e seria apanhado pela sua Corrente de ar.
A sua profunda reflexão sobre a sua qualidade de cidadão amarantino e militante do PSD, leva-me a contar-lhe o seguinte:
Em 5 de Junho de 1949, Henrique Galvão então deputado à AN, publicava no JN, na sua coluna habitual na primeira página o artigo: - A propósito de uma filarmónica .
5 de Junho de 1949 foi domingo e Amarante festejava as Festas do Junho. A importância do artigo não tirava os amarantinos do largo de S. Gonçalo onde outras filarmónicas, a da PSP do Porto e BV da Lixa, passavam rua acima, rua abaixo, intervalando nos coretos passe-dobles, marchas ou luzidias peças avulsas de música clássica. O Cine-Teatro iria encher, à noite, com o filme Capas Negras. “
Contava Galvão ,no seu artigo, a história de uma filarmónica em que alguns sócios não andavam contentes com a direção ,porque : " o Mestre da banda, elevado às culminâncias da regência da filarmónica , porque fora antes, no agrupamento, flautim muito afinado e assíduo aos ensaios, gozava fama de excelente pessoa e de bom chefe de família - mas sabia pouco de música séria – além de que, dava satisfação à família o facto de ser ele, simples flautim sem probabilidades de trepar, o mestre da Banda. Gostava porém da batuta, do lugar proeminente que ocupava no coreto, de ler o seu nome citado na gazeta da terra. Para esconder as suas insuficiências recorreu ao tambor da charanga, que escrevia crónicas no jornal e lhe redigia os discursos quando havia festa grossa – mas valeu-se das manhas e esperteza de um primeiro clarinete que tocava de ouvido, mas parlapatão e bastante desacreditado na vila, por motivo das leviandades que haviam comprometido o cofre da sociedade...além deste apoiou-se também o mestre da Banda em alguns outros músicos já assobiados por desafinação crónica e fífias sistemáticas…”
Não acredito que Henrique Galvão alguma vez tenha ido às festas de Amarante ou que em alguma outra ocasião tenha ouvido tocar a filarmónica e muito menos conhecido o seu maestro, tambor ou primeiro clarinete.

Não o vou maçar mais com o artigo, que é longo e interessante, até porque as similitudes com a “Banda” que aí toca e as suas exibições nos diversos coretos, segundo o meu Amigo, são bastantes .

Contudo deixo mais este bocadinho do texto de Galvão, para o provocar.
Com tais peripécias dos " filarmónicos”, era cada vez maior o descontentamento dos sócios, a tal ponto que"... Na farmácia, no café, no mercado, se dissesse de toda a Banda mais do que Mafoma dissera do toucinho".
Como normalmente acontece foi tudo explanado em Assembleia Geral da Filarmónica a pedido de um sócio mais descontente e levado a votação.
Para espanto de todos "Viu-se então esta coisa, que nos tempos em que a Moral andava pelo mundo, seria espantosa: Quando o homem, perante a multidão dos sócios descontentes, disse em voz alta, o que todos indignamente diziam em voz baixa, na farmácia, no café, no mercado e pediu que se pusessem em ordem e decência as coisas da filarmónica
-os sócios mais honorários e importantes levantaram –se a louvar o Mestre da banda e a declarar que o próprio primeiro clarinete, à parte aquela mania de se associar ao cofre da Sociedade, também era muito simpático. Os músicos mais desafinados protestaram e quase provaram que tocavam Wagner e Mozart desde crianças e que a 5ª sinfonia não tinha segredo para eles. O sócio interpelante ficou muito mal visto - e a banda continuou a tocar no coreto da vila, com o mesmo Mestre, com o mesmo clarinete, o mesmo tambor e o mesmo repertório."

Assim se estava na oposição em 1949. Desassombradamente e com verticalidade. Vivíamos em pleno apogeu da ditadura salazarista. Agora, sessenta e dois anos depois ,os nossos políticos, não fazem política , tomam posições dúbias, mandam às malvas a verticalidade de modo a puderem fazer parte das Bandas. É tudo uma questão de ouvido... já que a música é tilintante.
Voltando à sua " Corrente D'ar ", não julgo estarem em perigo as tradições democráticas ou a falta de valores cívicos . Aquela Amarante cultural dos poetas e pintores , das paisagens e gastronomia, é agora obrigatório juntar a Amarante da música clássica e do bailado, ultimas apostas para uma Amarante multicultural da qual a sua Banda é exemplo de pioneirismo.
Vê-la-emos arruar na sua força máxima na nova avenida para Vila Meã , em sextetos de metais na inauguração de algum novo parque empresarial ou em quartetos de cordas, nas esplanadas da marginal entre o Mercado e a praia Aurora, levando na lapela a coroa e entalada na aba do chapéu a fotografia, a preto e branco, de D.Joao III. Com certeza não faltarão no Largo de S.Gonçalo workshops, dados pelos filarmónicos mais “expert” ,na tentativa de trazer mais apoiantes para a música.

E nesta aposta pela música e espaços culturais, vale a pena refletir no ditado que diz - Conforme se toca, assim se dança.
O meu caro Amigo conhece as bandas e os coretos. As festas grossas são em 2013 e até lá muito se vai tocar....e dançar. Vamos esperar que tudo não acabe com o Presidente da Filarmónica, numa atitude humanitária que lhe vem do mester salvador, de que se ocupa na vida civil, querer ser o mestre da Banda e o agora mestre, aceite, voltar a ser flautim, ainda mais afinado, com grande desespero da família e músicos mais chegados. Recomendo-lhe , a este propósito, para estes dias mais frios o filme - Ensaio de orquestra, de Fellini, onde uma discussão entre um dos músicos e o maestro, severo e ditatorial, é o inicio para uma revolta incontrolável. O caos que se instala é quebrado pela impressionante cena final, uma inserção absurda e deliciosamente felliniana.
Não queria acabar esta longa carta sem referir uma outra situação que nada tendo a ver com Filarmónicas me lembrei.
Aquando da campanha para a presidência dos Estados Unidos em 1960 a campanha de Kennedy , referindo -se a Nixon, fez a seguinte pergunta aos cidadãos eleitores americanos: “Você compraria um carro em segunda mão a este homem?”. Nixon perdeu as eleições .
Imagine o meu Amigo, a " sua " Banda a tocar no coreto e do coreto ao lado, o Maestro da outra Banda, de bigode bem composto e velho nas manhas da regência, puxar os óculos à testa e perguntar à assistência: Vocês acreditam que eles são capazes de tocar um passe- doble?
Deixo à sua imaginação livre a resolução da charada porque, como diz o ditado “A galgo bom não lhe escapam lebres".
Quanto ao meu silêncio , meu caro Amigo, três razões o provocam : é que para lá do mau ouvido , a Banda toca muito mal e como diz o ditado, - Silêncio também é resposta.
. “ …E foi assim, no ambiente romântico de uma noite serena e quente, que terminou o grande dia das tradicionais e faladas Festas da Vila de Amarante. “, dizia o JN do dia 6 de Junho de1949, ao comentar as Festas de Amarante
Aproveito, meu caro Amigo, para lhe desejar um 2012 ... com boas danças.
Com um abraço,
João Sardoeira

NOTA : O texto de H Galvão foi publicado no JN de 5 de Junho de 1949, depois de o Presidente da Assembleia Nacional, Mário de Figueiredo, lhe ter cortado a palavra, declarando o assunto encerrado, na discussão do Aviso Prévio sobre a administração de Angola.
H. Galvão era Inspector Superior da Administração Colonial."

domingo, janeiro 15, 2012

Do Céu Ao Inferno

1Ouvimos muitas vezes dizer que o primeiro ano da vida de um Governo é essencial para a concretização de verdadeiras reformas, dado que se considera que ao fim de algum tempo os governantes perdem a capacidade para fazer frente aos interesses instalados, à pressão da máquina da administração pública e a tudo que a rodeia.

2Esta ideia não deixa de ser um atestado de incompetência e incapacidade ao passado dos nossos governantes. Infelizmente, julgo que todos nos revemos um pouco nela em face do que tem sido a nossa história recente. Muita gente que passou pelos sucessivos governos se deixou amolecer com a passagem pelo poder, muitos deles não fazendo justiça à condição que alcançaram enquanto profissionais na sua área de actividade.

3Pior que isso, colectivamente só adquirimos consciência disso mesmo num momento em que precisamos de auxilio financeiro e vemos entrar em Portugal instituições externas que nos vem ajudar com dinheiro emprestado, exigindo em troca uma série de reformas e de medidas que vão muito além do aspecto financeiro, tocando em áreas tão transversais como a saúde, a educação, a justiça ou a política de transportes.

4Resumindo, em grande parte dos aspectos verdadeiramente importantes na governação de um país, os sucessivos governos falharam. Lentamente, foram conduzindo Portugal a uma situação insustentável e de difícil explicação. Provavelmente tivemos políticos a mais e gestores a menos. E só descobrimos isso pela mão da troika, porque antes não íamos querer acreditar.

5Agora não há margem para falhar. Não porque tenha sido da nossa iniciativa, mas pela iniciativa de quem nos prestou auxílio financeiro, temos um guião para seguir ao pormenor, com medidas quantificadas e temporizadas, as quais terão forçosamente que ser cumpridas, sob pena de deixarmos de receber as sucessivas tranches de dinheiro de que precisamos para manter Portugal à tona da água durante os próximos anos.

6Dá que pensar que apenas numa situação limite fomos capazes, todos nós, de interiorizar que é mesmo preciso mudar de vida. Eleição após eleição, debate após debate, só queríamos ouvir falar de rosas, nunca de espinhos.

7 Mesmo agora, será curioso verificar como vão os vários agentes com intervenção na vida política nacional, dos partidos aos sindicatos, reagir às prometidas medidas para redução da despesa do Estado, que o Governo irá apresentar já depois de escrito este texto. Será curioso também acompanhar o debate a realizar a partir de Outubro, sobre o Orçamento de Estado para 2012. A confirmar-se a já prometida histórica redução na despesa, veremos se alguns de nós vão reagir continuando a pedir o céu e o inferno ao mesmo tempo.

 

"IM_Pressões de Direita" in Jornal de Amarante de 01 Setembro 2011

Rácio De Transformação

1Segundo os últimos dados revelados pelo Banco de Portugal, os depósitos bancários em Portugal totalizam 125 mil milhões de euros e revelam uma tendência de crescimento ao longo dos últimos meses. Apesar da crise e apesar de todas as dificuldades, o volume dos depósitos tem vindo a subir gradualmente, quer porque os portugueses conseguem poupar algum dinheiro, quer porque a banca tem revelado maior poder de atracção em face das taxas superiores que está a praticar para os depósitos a prazo.

2Por outro lado, o volume de crédito concedido é aproximadamente 250 mil milhões de euros, o que configura um dado absolutamente assustador nos tempos que correm, dado que o volume de crédito é o dobro dos depósitos. Este facto, revelador da absoluta alavancagem do sistema financeiro e da nossa economia, tornou-se agora um problema para os bancos portugueses, obrigados a reduzir drasticamente o rácio de transformação.

3Levando em conta todo o sistema financeiro, o rácio de transformação será de 200%. Se considerarmos apenas os bancos mais importantes do sistema, o rácio de transformação deverá rondar os 150%, isto é, por cada 100 euros em dinheiro depositado nesses bancos, existem 150 euros de crédito concedido.

4Segundo o acordo assinado com a troika, o rácio de transformação terá que ser reduzido até 2013 para o máximo de 120%. Fazendo um exercício simples, se considerarmos que os maiores bancos possuem neste momento uma carteira de depósitos de 100 mil milhões de euros e uma carteira de crédito de 150 mil milhões de euros, o corte no volume de crédito a efectuar poderá atingir o valor de 30 mil milhões de euros num período de pouco mais de um ano.

5Um valor desta natureza é absolutamente assustador e representa em si mesmo um plano de austeridade muito mais forte do que todas as medidas que o Governa possa tomar para emagrecer o Estado. Vai ser por intermédio dos bancos portugueses que vamos sofrer a maior austeridade ao longo dos próximos dois anos, dado que o corte no volume de crédito será terrível para a economia, obrigada a fazer um forte ajustamento para a falta de crédito disponível.

6 É evidente que existem alternativas, essencialmente três, para os bancos ajustarem o seu rácio de transformação. Captar mais depósitos a prazo é um caminho óbvio para o conseguir. Vender activos em carteira, canalizando os rendimentos obtidos para o reforço de capitais, é outra das possibilidades. A última alternativa é reduzir a concessão de crédito novo e estabelecer planos de liquidação exigentes para clientes que já possuem crédito em curso, nomeadamente na área das empresas.

7Todas estas alternativas estão a ser conjugadas e postas em prática. Apesar da dureza dos números, o crédito concedido pela banca portuguesa é na sua grande maioria de boa qualidade, pelo que este cenário de desalavancagem não coloca em causa o sistema bancário português. Pode colocar em causa os seus níveis de rentabilidade no curto ou médio prazo, mas não prejudica a sua estabilidade e fiabilidade.

8 – O que fica em causa é um corte brutal no financiamento, um corte silencioso e pouco mediático, mas com grande impacto. O aumento do desemprego, a retracção no consumo e a diminuição dos níveis de investimento são provocados em larga medida pelo corte no crédito, muito mais do que pela austeridade do Estado. Cabe agora ao Estado fazer o seu plano de emagrecimento, sem recuos nem medo, para que o esforço que famílias e empresas vão fazer não seja destruído a sustentar a pesada máquina pública que carregamos pelas costas.

 

"IM_Pressões de Direita" in Jornal de Amarante de 25 Agosto 2011