1 – Para mal dos nossos pecados, vivemos desde meados de 2008 debaixo da ameaça constante da crise económica e financeira mundial. Passados praticamente três anos, já não discutimos o súbito aumento do custo das matérias-primas, mas passamos a discutir a dificuldade no acesso ao crédito, como quem finalmente convive com a dura realidade de descobrir que o dinheiro é escasso e a capacidade de endividamento limitada.
2 – Neste momento convivemos cada vez mais de perto com a degradação da situação social de muitas pessoas, a um nível nunca visto desde 2008 e na sequência de todos os acontecimentos ocorridos desde então, os quais, qual efeito dominó, acabaram por resultar numa crise da divida soberana de muitos paises, que arrastou consigo dificuldades no acesso ao crédito, as quais conjugadas com a necessidade de ajustamentos orçamentais fazem prever um cenário de recessão para todo o ano de 2011.
3 – O labirinto em que nos encontramos parece uma pescadinha de rabo na boca. Tome-se como exemplo a informação recente de que o défice das contas públicas em Janeiro foi de “apenas” 282 milhões de euros. Quer dizer, a manter-se a média, chegaremos ao final de 2011 com um prejuizo superior a 3.300 milhões de euros, número que mal sabemos avaliar quanto ao seu significado. Para além de nos financiarmos para conseguir liquidar empréstimos que se vão vencendo sucessivamente ao longo do ano, ainda temos que arranjar pelo menos mais 3.300 milhões de euros emprestados para cobrir o défice com que 2011 vai seguramente terminar.
4 – As razões das dificuldades em que a economia europeia se encontra há muito que estão encontradas. No entanto, pese embora as soluções sejam mais ou menos consensuais, o remédio não pode ser aplicado de forma demasiado rápida, sob pena de colocar em causa todo o sistema social em que vivemos. Vejamos Portugal, onde mesmo com todas as medidas de austeridade anunciadas, percebemos agora que não chegam para quase nada no que respeita à urgente necessidade de impedir que o Estado gaste mais do que aquilo que tem para gastar.
5 – Como consequência, uma vez que o remédio da austeridade não pode ser aplicado demasiado rápido, vamos passar vários anos em tratamento. Mais que o desafio económico e financeiro que tal significa, é o desafio social que mais temos a temer. De um lado, o nosso modelo de sociedade ocidental, que irá padecer de mais desemprego, mais exclusão e mais pobreza, quer sob a forma de pobreza como todos a conhecemos quer sob a forma do crescente empobrecimento da classe média. Do outro, um poderoso mundo árabe e muçulmano, cujas revoltas da Tunisia e Egipto ameaçam alastrar rapidamente para outros paises e encerram em si mesmo um potencial tremendo de transformações sociais, não só nos paises em causa mas também à escala mundial.
6 – Salvaguardando o ideal da democracia que todos defendemos, será que podemos reflectir seriamente sobre as consequências que poderão surgir de uma verdadeira transformação democrática nos paises árabes e muçulmanos? No meio da actual crise económica e financeira ocidental, com todos os sacrificios a que ela nos obriga, estaremos preparados para o impacto de uma transformação económica, social e cultural no mundo árabe, que embora lenta poderá ser verdadeiramente revolucionária?
7 – O equilibrio de forças mundial estará em causa a médio prazo? Os desafios que o mundo ocidental enfrenta neste momento são enormes, não apenas na economia mas sobretudo no aspecto social. O potencial de alavancagem social de vários paises árabes é enorme e poderá colocar em causa vários modelos de desenvolvimento seguidos como intocáveis ao longo de muitos anos.
8 – Tal não significa que teremos forçosamente que mudar todos os nossos paradigmas, mas acarreta consigo uma necessidade de debate politico esclarecedor quanto às opções a tomar daqui para a frente. Infelizmente, parecemos atravessar um periodo de lideranças fracas, desprotegidas do minimo da dose ideológica necessária para nos motivar a todos um verdadeiro debate sobre questões tão essenciais, como o peso do estado na economia ou o modelo de desenvolvimento social a seguir, questões a resolver para mantermos do nosso lado a capacidade de alavancagem social que desde sempre caracterizou o mundo ocidental.
"IM_Pressões de Direita" in Jornal de Amarante de 24 Fevereiro 2011
Sem comentários:
Enviar um comentário