segunda-feira, janeiro 16, 2012

"TOCA A BANDA LÁ NO CORETO"

O momento político em Amarante tem sido dominado pela "troca" de opiniões entre vários elementos com ligações ao PSD, através da utilização do Jornal de Amarante para publicação de sucessivos artigos.


Num desses artigos, publicado durante o mês de Dezembro último, o Engenheiro Henrique Baptista questionou o silêncio do Coronel João Sardoeira, antigo vereador e candidato à liderança do PSD Amarante nas últimas eleições disputadas para a concelhia local.

Assim, o espaço deste blog é hoje aberto ao Coronel João Sardoeira, amigo que muito prezo e com quem tive o prazer de partilhar a luta política nas últimas eleições para a Comissão Política Concelhia do PSD de Amarante. O texto abaixo, publicado no Jornal de Amarante de 05 de Janeiro de 2012, é um exercicio delicioso, carregado de alguma da mais fina ironia que pude encontrar nas últimas leituras, tendo por isso o maior prazer no facto do seu autor me permitir a sua inclusão nest blog.




"TOCA A BANDA LÁ NO CORETO
(Festival Canção 1979 – l. C.A.Valente / m. C.Alberto Moniz)

Meu Caro Henrique Baptista

Não sei se este tempo de Natal é o certo para responder à interrogação/provocação que faz num dos seus últimos artigos no JA a este seu Amigo.
A bonança do tempo e o frio que enrijece os ossos ajudam a esta destemperada resposta em jeito de Boas-Festas.
Apesar de todos os cuidados que o tempo nos aconselha, não me tivesse eu vacinado aqui há tempos e seria apanhado pela sua Corrente de ar.
A sua profunda reflexão sobre a sua qualidade de cidadão amarantino e militante do PSD, leva-me a contar-lhe o seguinte:
Em 5 de Junho de 1949, Henrique Galvão então deputado à AN, publicava no JN, na sua coluna habitual na primeira página o artigo: - A propósito de uma filarmónica .
5 de Junho de 1949 foi domingo e Amarante festejava as Festas do Junho. A importância do artigo não tirava os amarantinos do largo de S. Gonçalo onde outras filarmónicas, a da PSP do Porto e BV da Lixa, passavam rua acima, rua abaixo, intervalando nos coretos passe-dobles, marchas ou luzidias peças avulsas de música clássica. O Cine-Teatro iria encher, à noite, com o filme Capas Negras. “
Contava Galvão ,no seu artigo, a história de uma filarmónica em que alguns sócios não andavam contentes com a direção ,porque : " o Mestre da banda, elevado às culminâncias da regência da filarmónica , porque fora antes, no agrupamento, flautim muito afinado e assíduo aos ensaios, gozava fama de excelente pessoa e de bom chefe de família - mas sabia pouco de música séria – além de que, dava satisfação à família o facto de ser ele, simples flautim sem probabilidades de trepar, o mestre da Banda. Gostava porém da batuta, do lugar proeminente que ocupava no coreto, de ler o seu nome citado na gazeta da terra. Para esconder as suas insuficiências recorreu ao tambor da charanga, que escrevia crónicas no jornal e lhe redigia os discursos quando havia festa grossa – mas valeu-se das manhas e esperteza de um primeiro clarinete que tocava de ouvido, mas parlapatão e bastante desacreditado na vila, por motivo das leviandades que haviam comprometido o cofre da sociedade...além deste apoiou-se também o mestre da Banda em alguns outros músicos já assobiados por desafinação crónica e fífias sistemáticas…”
Não acredito que Henrique Galvão alguma vez tenha ido às festas de Amarante ou que em alguma outra ocasião tenha ouvido tocar a filarmónica e muito menos conhecido o seu maestro, tambor ou primeiro clarinete.

Não o vou maçar mais com o artigo, que é longo e interessante, até porque as similitudes com a “Banda” que aí toca e as suas exibições nos diversos coretos, segundo o meu Amigo, são bastantes .

Contudo deixo mais este bocadinho do texto de Galvão, para o provocar.
Com tais peripécias dos " filarmónicos”, era cada vez maior o descontentamento dos sócios, a tal ponto que"... Na farmácia, no café, no mercado, se dissesse de toda a Banda mais do que Mafoma dissera do toucinho".
Como normalmente acontece foi tudo explanado em Assembleia Geral da Filarmónica a pedido de um sócio mais descontente e levado a votação.
Para espanto de todos "Viu-se então esta coisa, que nos tempos em que a Moral andava pelo mundo, seria espantosa: Quando o homem, perante a multidão dos sócios descontentes, disse em voz alta, o que todos indignamente diziam em voz baixa, na farmácia, no café, no mercado e pediu que se pusessem em ordem e decência as coisas da filarmónica
-os sócios mais honorários e importantes levantaram –se a louvar o Mestre da banda e a declarar que o próprio primeiro clarinete, à parte aquela mania de se associar ao cofre da Sociedade, também era muito simpático. Os músicos mais desafinados protestaram e quase provaram que tocavam Wagner e Mozart desde crianças e que a 5ª sinfonia não tinha segredo para eles. O sócio interpelante ficou muito mal visto - e a banda continuou a tocar no coreto da vila, com o mesmo Mestre, com o mesmo clarinete, o mesmo tambor e o mesmo repertório."

Assim se estava na oposição em 1949. Desassombradamente e com verticalidade. Vivíamos em pleno apogeu da ditadura salazarista. Agora, sessenta e dois anos depois ,os nossos políticos, não fazem política , tomam posições dúbias, mandam às malvas a verticalidade de modo a puderem fazer parte das Bandas. É tudo uma questão de ouvido... já que a música é tilintante.
Voltando à sua " Corrente D'ar ", não julgo estarem em perigo as tradições democráticas ou a falta de valores cívicos . Aquela Amarante cultural dos poetas e pintores , das paisagens e gastronomia, é agora obrigatório juntar a Amarante da música clássica e do bailado, ultimas apostas para uma Amarante multicultural da qual a sua Banda é exemplo de pioneirismo.
Vê-la-emos arruar na sua força máxima na nova avenida para Vila Meã , em sextetos de metais na inauguração de algum novo parque empresarial ou em quartetos de cordas, nas esplanadas da marginal entre o Mercado e a praia Aurora, levando na lapela a coroa e entalada na aba do chapéu a fotografia, a preto e branco, de D.Joao III. Com certeza não faltarão no Largo de S.Gonçalo workshops, dados pelos filarmónicos mais “expert” ,na tentativa de trazer mais apoiantes para a música.

E nesta aposta pela música e espaços culturais, vale a pena refletir no ditado que diz - Conforme se toca, assim se dança.
O meu caro Amigo conhece as bandas e os coretos. As festas grossas são em 2013 e até lá muito se vai tocar....e dançar. Vamos esperar que tudo não acabe com o Presidente da Filarmónica, numa atitude humanitária que lhe vem do mester salvador, de que se ocupa na vida civil, querer ser o mestre da Banda e o agora mestre, aceite, voltar a ser flautim, ainda mais afinado, com grande desespero da família e músicos mais chegados. Recomendo-lhe , a este propósito, para estes dias mais frios o filme - Ensaio de orquestra, de Fellini, onde uma discussão entre um dos músicos e o maestro, severo e ditatorial, é o inicio para uma revolta incontrolável. O caos que se instala é quebrado pela impressionante cena final, uma inserção absurda e deliciosamente felliniana.
Não queria acabar esta longa carta sem referir uma outra situação que nada tendo a ver com Filarmónicas me lembrei.
Aquando da campanha para a presidência dos Estados Unidos em 1960 a campanha de Kennedy , referindo -se a Nixon, fez a seguinte pergunta aos cidadãos eleitores americanos: “Você compraria um carro em segunda mão a este homem?”. Nixon perdeu as eleições .
Imagine o meu Amigo, a " sua " Banda a tocar no coreto e do coreto ao lado, o Maestro da outra Banda, de bigode bem composto e velho nas manhas da regência, puxar os óculos à testa e perguntar à assistência: Vocês acreditam que eles são capazes de tocar um passe- doble?
Deixo à sua imaginação livre a resolução da charada porque, como diz o ditado “A galgo bom não lhe escapam lebres".
Quanto ao meu silêncio , meu caro Amigo, três razões o provocam : é que para lá do mau ouvido , a Banda toca muito mal e como diz o ditado, - Silêncio também é resposta.
. “ …E foi assim, no ambiente romântico de uma noite serena e quente, que terminou o grande dia das tradicionais e faladas Festas da Vila de Amarante. “, dizia o JN do dia 6 de Junho de1949, ao comentar as Festas de Amarante
Aproveito, meu caro Amigo, para lhe desejar um 2012 ... com boas danças.
Com um abraço,
João Sardoeira

NOTA : O texto de H Galvão foi publicado no JN de 5 de Junho de 1949, depois de o Presidente da Assembleia Nacional, Mário de Figueiredo, lhe ter cortado a palavra, declarando o assunto encerrado, na discussão do Aviso Prévio sobre a administração de Angola.
H. Galvão era Inspector Superior da Administração Colonial."

3 comentários:

Anónimo disse...

E foi uma boa manobra de articulação entre o Henrique Baptista e o seu compincha João Sardoeira...

Sabem fazê-las.

de Magalhães disse...

A prosa provinciana sempre me encantou. O Coronel Sardoeira estaria melhor no tempo de Camilo que no tempo que corre. Tem graça tem garra. O Comendador Abranhos diria que o " Nosso Coronel " chega a Ministro... e o Damaso Salcede diria que o Sardoeira tem " pilhas de graça e montes de chic".

XANA disse...

Voces tão todos é loucos. Esse Sardoeira fugiu do manicomio onde estava sob o meu comando e anda a monte! Agarrem-no se puderes antes de vir a ser Ministro. Deus lhe valha!!!